Na última
segunda-feira, 23/02, por volta das 23:30h da noite, assisti na Globonews, no
programa Milênio, a entrevista com o sociólogo francês Edgar Morin. Para mim, um
dos maiores cientistas sociais vivos!
Conheço e continuo a me
aprofundar na sua obra monumental, cuja pedra fundamental é O Enigma Humano,
livro de 1973. Mesmo assim, poder assistir uma entrevista com o Professor Morin
(leia-se “Morran”) é um deleite, cuja fruição é revigorante. Por isso, como já
sou normalmente madrugador do conhecimento, assisti ao replay do programa às
3:30h da terça.
Só em vê-lo aos 94
anos, magro, ágil no andar e gesticular, rápido no raciocínio e com as
palavras, bem humorado e sorrindo enquanto desenvolvia os argumentos para as
questões propostas e elegantemente vestido já configura experiência inspiradora
e edificante. Com acesso a alguns bastidores universitários, desconfio que as “caipirinhas”
brasileiras e as mulatas da Martinica francesa sejam um dos segredos dessa
energia contagiante! Não entrarei no mérito dos temas abordados durante a
entrevista, que foram muitos, ficarei apenas com a frase que intitula este
artigo, “O que não se regenera degenera”, que o Professor Morin utilizou para
justificar sua motivação para continuar estudando a complexidade humana.
Complexidade não se deve
compreender como algo enigmático ou inacessível, mas sim como composto por
diferentes níveis de realidade, que se relacionam, se influenciam e se
determinam de maneiras diversas, no decorrer da experiência humana individual e
coletiva.
No plano individual, isso
quer dizer que apesar de sermos membros de uma espécie cujas fases de desenvolvimento
desde o útero são iguais para todos (filogênese), acontece, ao mesmo tempo, uma
modelagem genética e cultural (experiências individual e social) que definirá
uma individualidade para cada um de nós (ontogênese). Veja-se, por exemplo, a
singularidade dos rostos humanos, com exceção dos gêmeos idênticos, eles
representam identidades originais, únicas. O mesmo não acontece com as demais
espécies, todos os gatos se parecem assim como todos os cães de uma mesma raça.
Isso significa que cada
indivíduo é o resultado de uma experiência formativa única – daí a dificuldade
complexa de pesquisar sua psique –, o que tem como consequência a possibilidade
de que as impressões ou sensações que esse indivíduo tem do mundo ao redor, desde
o nascimento e por toda a vida, sejam únicas também. Não que elas não possam
ser comunicadas e compartilhadas, efetivamente elas o são e a linguagem é a
prova disso! Mas as palavras são apenas um invólucro frágil para as impressões e
sensações particulares que veiculam. Nós as transmitimos apenas parcial e
fragmentariamente!
Com efeito, é uma
tolice quando um amante pergunta para o outro: “O quanto você me ama?”. É
impossível traduzir-se a resposta por palavras ou mesmo medir a intensidade
desse sentimento. Mesmo que existisse uma máquina portátil de ressonância
magnética para mensurar as zonas ativadas do cérebro dos amantes, ainda restaria
o problema da constituição genética específica do cérebro de cada um. Assim, é
melhor aprender e aceitar que cada um ama a seu modo e com uma modulação de
intensidade própria, o que também torna sem sentido repetições exaustivas do
tipo: “Eu lhe amo muito” (Quanto?); “Ninguém lhe ama mais do que eu” (Como
medir?); “Você é o amor da minha vida” (Qual delas, se cada um de nós é uma
multiplicidade de vidas concomitantes: social, sexual, econômica, familiar,
estética, religiosa, etc.?).
Por sua vez, no plano
coletivo, a complexidade referida pelo Professor Morin exemplifica-se com as
variadas formas adaptativas de convivência humana em sociedade, construídas
pelos indivíduos nos mais diversos ecossistemas terrestres. Nem sempre essas
formações sociais são agradáveis e adequadas a um padrão de socialidade a que
nos acostumamos no Ocidente nos últimos séculos, baseado em ideais de justiça,
igualdade e liberdade individual. Não esqueçamos que estes ideais foram
inventados por nós, a partir da Grécia Clássica, em muitas outras sociedades
eles simplesmente não existem como os conhecemos e vivenciamos. Portanto,
complexidade, no plano das sociedades, não significa sempre coisa boa, porém
apenas que há uma enorme variedade de sociedades com experiências adaptativas
próprias e adequadas ao seu meio ambiente, com o objetivo prioritário de
garantir a sobrevivência e perpetuação de seus membros.
A “teoria do pensamento
complexo” desenvolvida pelo Professor Edgar Morin sustenta também que apesar
das experiências individuais e coletivas (sociais) serem singulares (únicas),
elas também estão inseridas em realidades mais abrangentes, das quais não podem
escapar, como a realidade biológica da natureza fora e dentro de cada um de nós
e a realidade presente e ao mesmo tempo imaterial, impalpável, virtual que é a
mente humana, cujo substrato material é o cérebro. Daí, a importância do
cientista social estudar biologia evolutiva, sociobiologia e neurociência, pois
com essa ampliação de perspectivas (epistemológicas) de conhecimento ele
entenderá que nos contatos individuais e coletivos poderão desencadear-se
processos de evolução complexos ou, em contraste, processos de involução ou
retrocesso de complexidade.
Assim, por exemplo, a
invenção no mundo ocidental de ideais como os de justiça igualitária, de
liberdade individual, liberdade religiosa e de expressão ampliou sobremaneira a
complexidade existencial dos indivíduos que nasceram nos seus domínios. A
título de ilustração, o choque de civilizações que se presencia entre o mundo
das sociedades livres (abertas) e das sociedades muçulmanas (fechadas), mesmo
as mais moderadas, é sobretudo um choque de complexidades. No momento em que
escrevo, vejo nos telejornais a destruição do fabuloso acervo arqueológico da
cidade de Mossul, no Iraque, por soldados do Estado Islâmico, sob a alegação de
que Alá e Maomé condenaram os ídolos e sua representação estatuária. É de uma
ignorância infantil e acachapante!
A maior das complexidades,
ironicamente, foi a conquista da “individualização” do indivíduo ao longo da
história humana. Em outras palavras, foi o surgimento da “identidade-eu”,
contrapondo-se à “identidade-nós”, como formulou outro grande sociólogo, o
alemão Norbert Elias. Isso implicou no indivíduo se livrar do peso das
convenções impostas pela família, pela tribo, pela religião e pelo estado, para
se reconhecer apenas como um “eu” singular que no máximo se identifica como
pertencente à espécie humana. Observem o paralelo do que estou mostrando com o
desenvolvimento de cada um de nós nas nossas vidas particulares, principalmente
quando entramos na adolescência. Buscamos desesperadamente a realização de
nossas aspirações individuais, geralmente contra a mão pesada das convenções à
nossa volta. Do resultado dessa refrega emergirá um indivíduo mais ou menos
feliz, mais ou menos livre.
Por outro lado,
sociedades fechadas abominam a “individualização”, têm ojeriza ao pensamento
livre, que se autodetermina. Contra as possibilidades do “pensamento complexo”,
obrigatoriamente individual e multidimensional, elas impõem o “pensamento
simples”, fundamentalista, coletivista, que comporta uma única interpretação,
normalmente ditada por mentes doentias que impulsionadas pela fome de poder pessoal
travestem-se de místicos, profetas, intelectuais, líderes políticos ou
militares.
As mais bárbaras
atrocidades na história humana em geral e especialmente na história recente
foram cometidas por indivíduos ou sociedades com predomínio do “pensamento
simples”, unidimensional ou simplório, que rapidamente, pela ausência de
justificativas plausíveis para suas posições, redundaram no autoritarismo das
ditaduras teocráticas ou laicas.
Numa rápida ilustração
histórica, a característica comum a Maomé, Gandhi, Marx, Hitler, Mussolini,
Aiatolá Khomeini, Lênin e Stalin, Mao Tsé-Tung, Fidel Castro e Guevara, para
ficar com os mais conhecidos, é a prevalência do “pensamento simples”, seja na
dimensão religiosa, militar, econômica, política ou estética. Apresentavam-se
como intérpretes das necessidades dos seus povos; jactavam-se de conhecerem os
caminhos que os levariam à felicidade; propuseram mudanças radicais para suas
sociedades, porém, no final... legaram-lhes uma herança maldita de desastres
sociais (pobreza e baixo nível educacional), desordem econômica (inflação e subdesenvolvimento)
e totalitarismo político ou religioso (ditaduras e guerras).
Todos foram falastrões
histriônicos; cultivaram imagens ridículas de si, consagradas pelos seus
figurinos de fantasia; eram hábeis manipuladores dos desejos das massas
ignorantes. Assim, puderam forjar a mistificação de que tudo se resolveria por
meio de mudanças drásticas, evidentemente inspiradas e conduzidas por eles e
seus movimentos de natureza místico-religiosa ou política.
Alguém pode se assustar
por eu ter incluído Marx, autor de livros como os conhecidos Manifesto
Comunista de 1848 e O Capital, além de vários outros, como exemplo do
“pensamento simples”. Mas observem, não é a quantidade de livros, ou mesmo
escrever livros ou apenas saber ler, ou ser formado em alguma coisa, que exclui
o indivíduo dessa classificação.
Esse senhor, Marx,
apesar de sua origem social e formação acadêmica, nunca cuidou bem de sua
família, que passava por necessidades econômicas e era sempre socorrida
financeiramente pelo amigo Friedrich Engels (ao qual nunca agradeceu e existe
registro epistolar sobre isto nas queixas deste último); engravidou a empregada
da família e não reconheceu o filho ou o ajudou; os filhos legítimos, quase
todos tiveram uma vida trágica, marcadas pelo suicídio. No entanto, sua obsessão,
confessa ao longo de toda sua obra literária, era transformar a sociedade
capitalista que, segundo ele, representava o apogeu na Terra do “reino das
necessidades”, sendo por consequência o socialismo (que de acordo com sua
imaginação delirante, seria a primeira fase do comunismo) a redenção da
humanidade, a inauguração do “reino da liberdade”!
Contra uma argumentação
simples contraponho uma observação simples, comum ao cotidiano das pessoas, mas
que abre caminho para o trabalho científico e intelectual sério: “quando não se
gosta de alguém ou de alguma coisa não se enxerga nada de positivo ou razoável
nesse alguém ou nessa coisa, a não ser seus defeitos ou erros”. Marx jamais
teve uma postura intelectual séria – que a ciência do século XIX já preconizava
ao enfatizar a obediência possível à regra da objetividade (aconselho a leitura
de Darwin) –, já que seu objetivo precípuo era revolucionar a sociedade
capitalista, portanto uma concepção simplista, unidimensional, que lhe travou o
intelecto e turvou sua percepção para a complexidade do mundo industrial, e
suas muitas possibilidades de reorganização, que se construía nos anos 1800.
No entanto, a
influência nefasta dessa concepção simplória de sociedade se estende a nossos
dias! O Brasil que hoje sofre com a desorganização total de sua economia, com o
retorno da inflação, o desequilíbrio nas contas públicas, o aparelhamento do
Estado (inclusive no Judiciário) por um partido, a subordinação das estatais
pela corrupção (com o objetivo de financiamento de um projeto de poder) e a
deterioração cultural do país é o resultado direto de 12 anos de ideias
rasteiras, cujas sementes foram gestadas na mente doentia de Marx e seus
sucessores, particularmente Lênin e Gramsci. O Brasil apenas repete, por
caminhos diferentes, o roteiro catastrófico que outrora a Rússia fez, depois a
China, Coréia do Norte, Cuba, Angola, etc. Em comum: todos fracassaram!
Nessa caminhada para o
abismo e o caos o Brasil não está só, tem a companhia de quem?! Nada menos do
que a Argentina e a Venezuela!!! Lembrem que caracterizei acima os líderes do
“pensamento simples” como figuras ridículas e histriônicas. Cristina Kirschner
com o rosto plastificado até as orelhas e os lábios cheios de botox querendo
ser uma ninfeta de 70 anos! Nicolas Maduro um “caminhoneirão” (sua real
profissão) de 2 metros, permanentemente fantasiado de esportista, que diz
conversar com seu mentor (o coronel troglodita Hugo Chávez, sua figura era
típica do brutamontes latino-americano de cinema “trash”) que lhe aparece na
forma de um passarinho! Aqui entre nós, o Lula foi batizado por Leonel Brizola
como “Sapo Barbudo”, para mim, uma das melhores imagens satíricas criadas pelo
velho líder gaúcho! Quanto a essa figura tétrica que se autodenomina “presidenta”,
deixo aos leitores a caracterização! Todos esses personagens tipificam bem o
“realismo fantástico” latino-americano.
O que acontece em parte
da América do Sul é um retorno aos anos 60 – o que prova como, teimosamente,
não amadurecemos rumo a um “pensamento complexo” e sóbrio – quando projetos de
poder da esquerda socialista foram interrompidos por movimentos militares no
contexto internacional da “guerra fria”. Décadas depois, em outro contexto
geopolítico, aqueles projetos foram requentados, portanto, suas ideias não
foram “regeneradas”, adaptadas às novas complexidades mundiais. A única
novidade é que alcançaram o poder político utilizando-se, traiçoeiramente, do
jogo democrático e da ingenuidade dos eleitores (lembrem da fábula do Escorpião
e da Rã), mas com a intenção de inocular na sociedade suas ideias degeneradas,
como ora estamos assistindo, com a degradação avassaladora do país.
(Prof. Geraldo Filho – UFPI)
(26/02/2015)