Primeiro de maio de 2009, dia de São José Operário. Véspera de seu casamento, o estudante de engenharia e surfista Eduardo Martins decidiu comemorar sua despedida de solteiro no mar do Recreio, com os amigos de surfe, entre eles o médico e seminarista Guido Schäffer. Embora as condições para a prática do esporte estivessem perfeitas — água azul turquesa, céu limpo, temperatura agradável e ondas com bom tamanho —, uma manobra acidentada pôs fim à vida do futuro padre. A prancha escorregou acertando a nuca de Guido, que morreu afogado aos 34 anos. Sua morte provocou enorme comoção. E, antes mesmo que seu corpo fosse enterrado, o seminarista passou a ser visto como o “anjo surfista”.
Agora, passados mais de cinco anos, a Arquidiocese do Rio aguarda o nada a opor do Vaticano para dar início ao processo de beatificação. A previsão é que a resposta venha até o mês que vem. O pedido foi feito em maio deste ano, mas as razões que levaram a Igreja a reivindicar seu nome para santo revelaram-se ainda na missa de corpo presente. À época, mais de duas mil pessoas se reuniram na Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, entre elas cerca de 80 monges beneditinos, padres, fiéis e o próprio Dom Orani Tempesta, que naquele momento acabara de ser nomeado arcebispo do Rio.
— Foi uma apoteose — lembra Dom Roberto Lopes, bispo responsável pelo levantamento de possíveis candidatos a santo do Rio — A igreja ficou lotada, quase não consegui entrar de tão cheia. Naquele momento, quando morreu, Guido era um seminarista, estava cursando teologia. Mas também era médico e dedicava a vida aos pobres. Ele era uma espécie de Francisco de Assis carioca. Uma pessoa carismática e caridosa.
Segundo Dom Roberto, Guido encarna a figura de um santo genuinamente carioca. Apesar de ter nascido em Volta Redonda, viveu boa parte de sua vida em Copacabana. Apaixonado pela obra de São Francisco de Assis e pelo surfe, ele criou uma forma própria de atrair “novas ovelhas” para a fé.
— Eu era amigo do Maurício, irmão dele, que também surfava. Um dia, apareceu o Guido e logo ficamos amigos. Na época, eu tinha terminado um relacionamento e me sentia uma pessoa um pouco insensível, fria. Com apenas três semanas, ele me chamou para rezar um terço depois do surfe. Achei curioso. Depois me chamou para participar de um grupo de oração que ele havia criado na Igreja Nossa Senhora da Paz, a pedido do padre Jorjão. O grupo começou com umas 12 pessoas. Logo, viramos 150 — contou Eduardo Martins, que se casou no dia seguinte à morte do amigo com a jovem que conhecera na igreja.
Ex-campeão de ondas gigantes, vencedor do primeiro Tow-in World Cup, em 2002, o surfista Rodrigo Resende, o Monster, também conviveu com Guido durante muitos anos:
— Conheci o Guido na Faculdade de Medicina. Ele era um cara muito generoso e especial. Nós íamos para a casa dele estudar para as provas. Eram horas de estudo. Então, quando a gente dava uma paradinha para refrescar, ele vinha com a Bíblia. Era curioso, eu nunca fui muito católico, mas gostava de ouvi-lo falar. Ele tinha o dom da pregação. Sei que toda vez que eu ia para o Havaí para participar de algum campeonato, antes passava na casa dele para pedir que rezasse por mim. Não há um dia em que a gente não se lembre dele.
Médico e professor de Guido, responsável pela 4ª e 20ª Enfermarias da Santa Casa da Misericórdia na época em que ele trabalhou no hospital, Milton Arantes lembra que o seminarista o ajudou a recuperar a crença no próprio homem.
— Quando o conheci , eu tinha retornado de um período em Londres que me marcou muito. Lá, todos usavam as mesmas enfermarias, pobres e ricos, que eram espaços amplos e arejados. Quando voltei, tentei transportar para cá a mesma experiência. Só que no Brasil, um país com tamanha carga religiosa, só os ricos têm bons hospitais. Nas enfermarias da Santa Casa, só havia pobres. E muita miséria. Essa discrepância me fazia repensar a própria existência de Deus. Mas o Guido, por sua humanidade, pela maneira como ele olhava e escutava cada doente, me ajudou a recuperar essa crença. Ele me mostrou a importância de manter a fé para acreditar no ser humano — disse.