A política brasileira,
mais precisamente pelas mãos de uma das suas maiores, mais respeitadas e
desconhecidas instituições, o Supremo Tribunal Federal, acaba de incorporar à
sua cozinha dois pratos saborosos, daqueles que fazem a gente lamber os beiços,
o rocambole e o lombo de porco. Os dois pratos chegaram semana passada pra
fazerem companhia a dois outros já conhecidos, o chá de burro e a marmelada.
Os dois pratos chegaram
à sala de visitas, vindas da cozinha pelas mãos habilidosas de um senhor de
fala pausada e cheia de erres, Celso de Melo, ministro mais antigo e que
naquela altura do julgamento final do Mensalão achou por bem mandar de volta os
dois pratos pra que se pudesse colocar mais açúcar e mais sal no de comer, como se dizia há muito tempo
entre a gente simples do interior brasileiro.
O mestre-cuca alegou que havia necessidade de colocar umas coisinhas pra
dar mais sabor e cor no servido.
O Brasil, feito um
armário de mantimentos, ficou desde debaixo, no Rio Grande do Sul, até o Amapá,
na parte mais alta da prateleira, esperando um desfecho pra um dos julgamentos
mais difíceis e irritantes dentro do atual momento político. É que no fritar de
ovos, a coisa acabou no empate, cinco a cinco. Cabia então ao ministro mais
antigo da casa, Celso de Melo, o desempate. Ele não se fez de rogado. Pediu uns
dias, levou a receita pra casa e na quarta-feira da semana passada, na volta, votou
pelo acolhimento dos embargos infringentes.
Na linguagem do Supremo
Tribunal Federal, esses recursos jurídicos que somente eles ministros entendem
e fazem uso e abuso, tudo vai ser revisto. Nessa altura a feijoada não tem hora
pra ser servida. Ministros, deputados, empresários e presidentes de empresas
estatais, julgados e condenados, que a gente imagina estariam a essa altura
desembarcando em várias penitenciárias pra cumprir pena pelo mal feito ao País
acabam de ganhar recursos pra continuar na vida política fazendo molecagens.
Porque ninguém acredita
mais que eles devem cumprir as penas. Ano que vem é ano de Copa do Mundo no
Brasil e logo depois, melhor dizendo, rente, no mesmo período, o início de
campanha eleitoral. Nessa altura já se passaram vários anos desde a rebentação
do escândalo, outros problemas surgiram e desapareceram na mesma velocidade e
ninguém vai estar mais com apetite pra tomar sopa fria. O certo é que o que se
esperava do STF foi uma tremenda duma decepção.
Igual quando se pede um
churrasquinho aqui na Parnaíba, espera uma eternidade e quando ele chega a
gente acaba descobrindo que só tem langanho. Mas essa historia de Mensalão,
todo mundo, desde velho até menino, de gente pobre a gente rica, todo mundo já
sabia que não iria dar em nada. Mas vamos voltar à cozinha, que a essa altura a
panela deve estar queimando. Mas a conversa está comprida aqui na sala e a
gente precisa ver o de comer lá
atrás.
Rocambole é feito com
uma massa recheada de carne ou de doce e que a cozinheira vai enrolando,
enrolando, enrolando até fechar. Eu vi muito a Ofélia Anunciatto, linda,
magnífica, pioneira, elegante, fazendo este prato em um programa da TV
Bandeirantes, de São Paulo, muito antes da Ana Maria Braga e tantas outras
arremedos de cozinheiras infestarem a televisão brasileira. E foi este prato
que o ministro Celso de Melo fez e trouxe pra sala na quarta-feira da semana
passada, um rocambole.
Outro prato que a
política brasileira acaba de dar relevo na mesa de domingo é o lombo de porco,
mais precisamente o rabo, naquela parte mais enrolada. Antes era um de comer de senzala. Quem entendia muito
disso era o doutor Gilberto Freire. Mas a política e os governos, seja federal,
estadual ou municipal, trataram faz tempo de acabar com esse preconceito besta.
Um rabinho de porco, bem torradinho, trincando nos dentes, é uma beleza. O rabo
de porco hoje é a parte mais disputada de um churrasco regado a cerveja de
graça.
Porque na política e
agora na justiça é importante enrolar. Enrolam estas duas instituições quando
prometem obra de escola, hospital, estrada, casa popular, pagar o que devem à
empreiteira, ao fornecedor de serviços. Enrolam quando deixam sem assistência
centenas e milhares de pessoas, sem atendimento médico ou o amparo da lei,
enrolam quando dificultam a entrada de capital dentro da economia de mercado
optando por um modelo estatizante, onde está mais que provado que o estado não
tem competência.
Enrolam quando prometem
e não cumprem dar continuidade a programas e obras notoriamente importantes
para a população. Enrolam quando se cercam de gente incompetente, ordinária,
servil, burra e mais ainda quando se calam ou consentem que se faça coisa
malfeita, que se roube e deixe roubar o dinheiro público. Enrolam quando
descobrem depois de um bom tempo que não sabem dirigir coisa nenhuma, mas ficam
indiferentes, não ouvem e nem reconhecem aqueles que podem ajudar.
E aqui nesta Parnaíba,
neste lado ocidental da fazenda, que a
vista dá no jirau nadonde a menina
lava os trens de cozinha depois do almoço, ao que parece, tudo acontece e tudo
pode. É naquele lado da fazenda onde dificilmente os patrões botam os pés ,mas é justamente onde
acontecem as coisas mais absurdas. E a lei está longe de prevalecer. E como
dizia meu velho amigo Mongol, lá de Fortaleza, de onde menos se espera, daí é
que não sai nada mesmo.
Porque no Brasil e
entrando de cozinha pra dentro é muito fácil enrolar a população. Basta um
tempo, uma conversa regada a uma cachacinha, um agrado e uma palmada no ombro. É
uma conversa bonita na sala, mas nunca se sabe o que a Tia Nastácia está
preparando na cozinha. Principalmente naquelas regiões onde o olho da lei está
ou passa longe. Mas agora com essa do Supremo Tribunal Federal, ninguém pode
mais esperar nada que preste de uma cozinha dessas.
Por Pádua Marques
Jornalista e Escritor