3 de dez. de 2011

O cajueiro do poeta

O cajueiro de Humberto de Campos vive há 105 anos em Parnaíba, litoral do Piauí.


Cajueiro de Humberto de Campos (Foto:Francisco Leal)
Parnaíba, a mais importante cidade do litoral piauiense, com 145 mil habitantes, preserva até hoje um cajueiro plantado há 105 anos pelo escritor Humberto de Campos. A área onde fica a árvore, na Rua Coronel José Narciso, foi tombada como patrimônio histórico municipal.
Humberto de Campos, maranhense da cidade de Miritiba, hoje batizada com o seu nome, chegou a Parnaíba em 1906, plantando o cajueiro logo em seguida. Três anos depois seguiu para São Luís e depois para Belém e Rio de Janeiro.
Foi jornalista e um dos grandes escritores brasileiros no final dos anos 20 e começo dos anos 30. Deixou obra extensa e variada, incluindo crônicas e contos humorísticos, além de sonetos refinados, que o tornaram um dos autores mais populares de sua época. O cajueiro por ele plantado em Parnaíba, serviu de inspiração para o conto  “Um amigo de infância” (leia trecho abaixo), considerada como uma de suas grandes obras. Em 1920, foi eleito para a cadeira 20 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Morreu aos 48 anos de idade, em 1934.
Humberto de Campos, que nunca esqueceu Parnaíba, também foi deputado federal pelo estado do Maranhão, mas teve o mandato cassado pela revolução de 1930.
A casa em que o poeta morou, na rua que tem o seu nome, no Centro de Parnaíba, ainda mantém as caraterísticas da época. Embora não seja uma casa de esquina, é avarandada e possui enormes janelas de madeira. O quintal, pequeno, foi separado do cajueiro por um muro construído pela prefeitura municipal, que adquiriu o acervo de Humberto de Campos.
Um amigo de infância 
[Trecho final do texto de Humberto de Campos]
"Aos treze anos da minha idade, e três da sua, separamo-nos, o meu cajueiro e eu. Embarco para o Maranhão, e ele fica. Na hora, porém, de deixar a casa, vou levar-lhe o meu adeus. Abraçando-me ao seu tronco, aperto-o de encontro ao meu peito. A resina transparente e cheirosa corre-lhe do caule ferido. Na ponta dos ramos mais altos abotoam os primeiros cachos de flores miúdas e arroxeadas como pequeninas unhas de crianças com frio.
- Adeus, meu cajueiro! Até à volta!
Ele não diz nada, e eu me vou embora.
Da esquina da rua, olho ainda, por cima da cerca, a sua folha mais alta, pequenino lenço verde agitado em despedida. E estou em S. Luís, homem-menino, lutando pela vida, erijando o corpo no trabalho bruto e fortalecendo a alma no sofrimento, quando recebo uma comprida lata de folha acompanhando uma carta de minha mãe: “Receberás com esta uma pequena lata de doce de caju, em calda. São os primeiros cajus do teu cajueiro. São deliciosos, e ele te manda lembranças…”
Há, se bem me lembro, uns versos de Kipling, em que o Oceano, o Vento e a Floresta palestram e blasfemam. E o mais desgraçado dos três é a Floresta, porque, enquanto as ondas e as rajadas percorrem terras e costas, ela, agrilhoada ao solo com as raízes das árvores, braceja, grita, esgrime com os galhos furiosos, e não pode fugir, nem viajar… Recebendo a carta de minha mãe, choro, sozinho. Choro, pela delicadeza da sua idéia. E choro, sobretudo, com inveja do meu cajueiro. Por que não tivera eu, também, raízes como ele, para me não afastar nunca, jamais, da terra em que eu, ignorando que o era, havia sido feliz?
Volto, porém. O meu cajueiro estende, agora, os braços, na ânsia cristã de dar sombra a tudo. A resina corre-lhe do tronco, mas ele se embala, contente, à música dos mesmos ventos amigos. Os seus galhos mais baixos formam cadeiras que oferece às crianças. Tem flores para os insetos faiscantes e frutos de ouro pálido para as pipiras cinzentas. É um cajueiro moço, e robusto. Está em toda a força e em toda a glória ingênua da sua existência vegetal.
Um ano mais, e parto novamente. Outra despedida; outro adeus mais surdo, e mais triste:
-Adeus, meu cajueiro!
O mundo toma-me nos seus braços titânicos, arrepiados de espinhos. Diverte-se comigo como a filha do rei de Brobdingnag com a fragilidade do capitão Guliver. O monstro maltrata-me, fere-me, tortura-me. E eu, quase morto, regresso a Parnaíba, volto a ver minha casa, e a rever o meu amigo.
- Meu cajueiro, aqui estou!
Mas ele não me conhece mais. Eu estou homem; ele está velho. A enfermidade cava-me o rosto, altera-me a fisionomia, modifica-me o tom da voz. Ele está imenso e escuro. Os seus galhos abraçam coqueiros, afogam laranjeiras que noivam, ou ultrapassam a cerca e vão dar sombra, na rua, às cabras cansadas, aos mendigos sem pouso, às galinhas sem dono… Quero abraçá-lo, e já não posso. Em torno ao seu tronco fizeram um cercado estreito. No cercado imundo, mergulhado na lama, ressona um porco… Ao perfume suave da flor, ao cheiro agreste do fruto, sucederam, em baixo, a vasa e a podridão!
- Adeus, meu cajueiro!" 
OBRAS – Assinando com seu próprio nome ou com os pseudônimos, Humberto de Campos deixou as seguintes obras:3333
Além de Poeira, publicou:
Da seara de Booz - crônicas - 1918
Vale de Josaphat - contos - 1918
Tonel de Diógenes - contos - 1920
A serpente de bronze - contos - 1921
Mealheiro de Agripa - 1921
Carvalhos e roseiras - crítica - 1923
A bacia de Pilatos - contos - 1924
Pombos de Maomé - contos - 1925
Antologia dos humoristas galantes - 1926
Grãos de mostarda - contos - 1926
Alcova e salão - contos - 1927
O Brasil anedótico - anedotas - 1927
Antologia da Academia Brasileira de Letras - participação - 1928
O monstro e outros contos - 1932
Memórias 1886-1900 - 1933
Crítica (4 séries) - 1933, 1935, 1936
Os países - 1933
Poesias completas - reedição poética - 1933
À sombra das tamareiras - contos -1934
Sombras que sofrem - crônicas - 1934
Um sonho de pobre - memórias - 1935
Destinos - 1935
Lagartas e libélulas - 1935
Memórias inacabadas - 1935
Notas de um diarista - séries 1935 e 1936
Reminiscências - memórias -1935
Sepultando os meus mortos - memórias - 1935
Últimas crônicas - 1936
Contrastes - 1936
O arco de Esopo - contos - 1943
A funda de Davi - contos - 1943
Gansos do capitólio - contos - 1943
Fatos e feitos - 1949
Diário secreto (2 vols.) - memórias - 1954
Francisco Leal
Edição Blog do Pessoa 

Um comentário:

  1. Humberto de Campos chegou a Parnaíba em 1896 aos 10 anos de idade e logo na chegada na casa nova encontra uma castanha de caju e com ajuda de sua mãe planta esse patrimônio histórico que tem na verdade 115 anos e não 105. vejam na página dedicada ao texto do autor no site também dedicado aos imortais da Academia Brasileira de Letras.
    http://www.riototal.com.br/coojornal/imortais28.htm
    ass.: Edvarde Maciel, Parnaibano radicado em Rio Grande-RS

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