5 de ago. de 2024

Qual o destino de um povo que negligencia sua história?

Maria das Graças Targino

07 / 08 / 2024


O romance “Precisamos ter história” do Professor Doutor piauiense-cearense Fernando Basto Ferraz possui merecido mérito, tanto pela linguagem acessível às mais diferentes faixas etárias quanto pelos temas de que trata. São eles polêmicos e, sobretudo, atuais, embora, paradoxalmente, disserte sobre tópicos que remontem a séculos passados. É o caso, por exemplo, do litígio entre as fronteiras dos Estados do Piauí e do Ceará.

O conflito entre esses Estados já se estende por mais de 100 anos. Segundo o autor, com base no Decreto Imperial n. 3.012, de 22 de outubro de 1880, surgiram entre as duas Unidades Federativas três áreas de litígio em suas fronteiras, problema até hoje não solucionado, apesar de, no presente momento, estar em mãos da relatora Cármen Lúcia Antunes Rocha, atual Ministra do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, à espera de votação no plenário no STF. Eis as três áreas em questão:

 

Área 01, com aproximadamente 217 km2, limitando-se, pelo lado do Piauí, com os municípios de Luís Correia e Cocal e, pelo lado do Ceará, com [...] Granja e Viçosa.

 

Área 02, com aproximadamente 657 km2, limitando-se, pelo lado do Piauí, com [...] Cocal dos Alves e São José da Fronteira e, pelo lado do Ceará, com [...] Viçosa, Tianguá, Ubajara, Ibiapina, São Benedito e Carnaubal.

 

Área 03, com aproximadamente 2.015 km2, limitando-se, pelo lado do Piauí, com [...] Pedro II, Buriti dos Montes e São Miguel do Tapuio e, pelo lado do Ceará, com [...] Guaraciaba do Norte, Croatá, Ipueiras, Poranga, Itaporanga e Cratéus (FERRAZ, 2024, p. 136-137).

 

Coincidência ou não, o fato é que o protagonista Tertuliano, educador e amante da história como o próprio autor, permite inferir que, possivelmente, pode ser um romance levemente autobiográfico, embora Basto Ferraz atue, também, na área jurídica. Editado pela Expressão Gráfica e Editora, de Fortaleza – Ceará, 2024, a obra começa por explorar a luta diária do sertanejo para levar a termos sua educação formal, dando ênfase à função macro da educação, na linha de Paulo Freire, um dos autores referenciados dentre outros, como elemento essencial à formação do indivíduo como ser humano e profissional, sem deixar de lado que, para tanto, urge a valorização do profissional da área, o que faz Tertuliano, docente de História, exaltar a Professora Rosinha, como a fada-madrinha que lhe permitiu seguir seu sonho de se transformar em educador e escritor mais adiante.

O verdadeiro docente, em qualquer nível, deve pensar na sala de aula como imenso palco sem bastidores e sem camarim. É o momento perene de compartilhar experiências, dúvidas, curiosidades, descobertas, paixão em direção aos objetos de estudo.  Olhar para ver. Olhar para perguntar. Olhar para conhecer. Olhar para romper com a unilateralidade com que, frequentemente, lidamos com a informação e o conhecimento. Vislumbrar a vida significa ver, olhar e perceber não só o que está visível aos olhos, mas, o que está subjacente ou subliminar, propiciando a chance de captar dimensões e os vários significados de fatos e fenômenos circundantes, permitindo deixar aflorar as facetas múltiplas de que a história de seu povo é feita.

Em diferentes trechos da publicação, o tema – bullying escolar ou cyberbullying – vem à tona em toda sua complexidade, como erva daninha que transforma o ensino em martírio e as escolas em presídios, apesar de ser um fenômeno que sempre existiu. Também estão entre os temas discutidos tanto o corporativismo das instituições de ensino, ênfase para universidades públicas e particulares, quanto a séria questão do plágio. Para noção mais precisa, na atualidade, há um número quase incalculável de artigos, capítulos de livros, livros, dissertações e teses que se dedicam a discutir o plágio em sua amplitude – o Google, em termos brutos, sem seleção acurada, fornece incríveis 1.120.000 referências sobre o assunto, agosto 2024.

No entanto, entre os limites extremos – cópia autêntica e plágio – há uma série de facetas, incluindo pastiche, remixagem, cópia literal, citação literal, citação indireta (quando se recorre ao controvertido apud), paráfrase, intertextualidade, imitação criativa e outros termos. E a pergunta reincidente que ocupa destaque em eventos científicos relaciona-se à posição de orientadores e coorientadores em sua condição equivocada de autores. Ao orientador compete acompanhar o desenvolvimento intelectual e a formação integral do aluno, mas este é o autor de seus próprios textos, desde o momento que deve assumir responsabilidade incondicional por sua elaboração, publicação e divulgação. Os novos tempos de maior pressão para publicar e a ameaça de enviar ao limbo os acadêmicos que publicam menos não justifica a tendência acentuada de o orientador se posicionar como autor ou coautor dos trabalhos de seus alunos.

Há outras questões: o autoplágio é ético? Enfim, há uma série de situações, como a retratada em “Precisamos ter história”, em que o orientador coloca o então aluno Tertuliano em maus lençóis... Ademais, durante todo o texto, o autor lembra que um povo negligente de sua própria história é um povo sem alma e, decerto, sem rumo...

 

Fonte

FERRAZ, Fernando Basto. Precisamos ter história. Fortaleza: Expressão Gráf. Ed., 2024. 224 p.

Maria das Graças Targino é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto de Iberoamérica, e-mail: gracatargino@hotmail.com

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