1 de mar. de 2015

O que não se regenera degenera!

Na última segunda-feira, 23/02, por volta das 23:30h da noite, assisti na Globonews, no programa Milênio, a entrevista com o sociólogo francês Edgar Morin. Para mim, um dos maiores cientistas sociais vivos!
Conheço e continuo a me aprofundar na sua obra monumental, cuja pedra fundamental é O Enigma Humano, livro de 1973. Mesmo assim, poder assistir uma entrevista com o Professor Morin (leia-se “Morran”) é um deleite, cuja fruição é revigorante. Por isso, como já sou normalmente madrugador do conhecimento, assisti ao replay do programa às 3:30h da terça.
Só em vê-lo aos 94 anos, magro, ágil no andar e gesticular, rápido no raciocínio e com as palavras, bem humorado e sorrindo enquanto desenvolvia os argumentos para as questões propostas e elegantemente vestido já configura experiência inspiradora e edificante. Com acesso a alguns bastidores universitários, desconfio que as “caipirinhas” brasileiras e as mulatas da Martinica francesa sejam um dos segredos dessa energia contagiante! Não entrarei no mérito dos temas abordados durante a entrevista, que foram muitos, ficarei apenas com a frase que intitula este artigo, “O que não se regenera degenera”, que o Professor Morin utilizou para justificar sua motivação para continuar estudando a complexidade humana.
Complexidade não se deve compreender como algo enigmático ou inacessível, mas sim como composto por diferentes níveis de realidade, que se relacionam, se influenciam e se determinam de maneiras diversas, no decorrer da experiência humana individual e coletiva.
No plano individual, isso quer dizer que apesar de sermos membros de uma espécie cujas fases de desenvolvimento desde o útero são iguais para todos (filogênese), acontece, ao mesmo tempo, uma modelagem genética e cultural (experiências individual e social) que definirá uma individualidade para cada um de nós (ontogênese). Veja-se, por exemplo, a singularidade dos rostos humanos, com exceção dos gêmeos idênticos, eles representam identidades originais, únicas. O mesmo não acontece com as demais espécies, todos os gatos se parecem assim como todos os cães de uma mesma raça.
Isso significa que cada indivíduo é o resultado de uma experiência formativa única – daí a dificuldade complexa de pesquisar sua psique –, o que tem como consequência a possibilidade de que as impressões ou sensações que esse indivíduo tem do mundo ao redor, desde o nascimento e por toda a vida, sejam únicas também. Não que elas não possam ser comunicadas e compartilhadas, efetivamente elas o são e a linguagem é a prova disso! Mas as palavras são apenas um invólucro frágil para as impressões e sensações particulares que veiculam. Nós as transmitimos apenas parcial e fragmentariamente!
Com efeito, é uma tolice quando um amante pergunta para o outro: “O quanto você me ama?”. É impossível traduzir-se a resposta por palavras ou mesmo medir a intensidade desse sentimento. Mesmo que existisse uma máquina portátil de ressonância magnética para mensurar as zonas ativadas do cérebro dos amantes, ainda restaria o problema da constituição genética específica do cérebro de cada um. Assim, é melhor aprender e aceitar que cada um ama a seu modo e com uma modulação de intensidade própria, o que também torna sem sentido repetições exaustivas do tipo: “Eu lhe amo muito” (Quanto?); “Ninguém lhe ama mais do que eu” (Como medir?); “Você é o amor da minha vida” (Qual delas, se cada um de nós é uma multiplicidade de vidas concomitantes: social, sexual, econômica, familiar, estética, religiosa, etc.?).
Por sua vez, no plano coletivo, a complexidade referida pelo Professor Morin exemplifica-se com as variadas formas adaptativas de convivência humana em sociedade, construídas pelos indivíduos nos mais diversos ecossistemas terrestres. Nem sempre essas formações sociais são agradáveis e adequadas a um padrão de socialidade a que nos acostumamos no Ocidente nos últimos séculos, baseado em ideais de justiça, igualdade e liberdade individual. Não esqueçamos que estes ideais foram inventados por nós, a partir da Grécia Clássica, em muitas outras sociedades eles simplesmente não existem como os conhecemos e vivenciamos. Portanto, complexidade, no plano das sociedades, não significa sempre coisa boa, porém apenas que há uma enorme variedade de sociedades com experiências adaptativas próprias e adequadas ao seu meio ambiente, com o objetivo prioritário de garantir a sobrevivência e perpetuação de seus membros.
A “teoria do pensamento complexo” desenvolvida pelo Professor Edgar Morin sustenta também que apesar das experiências individuais e coletivas (sociais) serem singulares (únicas), elas também estão inseridas em realidades mais abrangentes, das quais não podem escapar, como a realidade biológica da natureza fora e dentro de cada um de nós e a realidade presente e ao mesmo tempo imaterial, impalpável, virtual que é a mente humana, cujo substrato material é o cérebro. Daí, a importância do cientista social estudar biologia evolutiva, sociobiologia e neurociência, pois com essa ampliação de perspectivas (epistemológicas) de conhecimento ele entenderá que nos contatos individuais e coletivos poderão desencadear-se processos de evolução complexos ou, em contraste, processos de involução ou retrocesso de complexidade.
Assim, por exemplo, a invenção no mundo ocidental de ideais como os de justiça igualitária, de liberdade individual, liberdade religiosa e de expressão ampliou sobremaneira a complexidade existencial dos indivíduos que nasceram nos seus domínios. A título de ilustração, o choque de civilizações que se presencia entre o mundo das sociedades livres (abertas) e das sociedades muçulmanas (fechadas), mesmo as mais moderadas, é sobretudo um choque de complexidades. No momento em que escrevo, vejo nos telejornais a destruição do fabuloso acervo arqueológico da cidade de Mossul, no Iraque, por soldados do Estado Islâmico, sob a alegação de que Alá e Maomé condenaram os ídolos e sua representação estatuária. É de uma ignorância infantil e acachapante!
A maior das complexidades, ironicamente, foi a conquista da “individualização” do indivíduo ao longo da história humana. Em outras palavras, foi o surgimento da “identidade-eu”, contrapondo-se à “identidade-nós”, como formulou outro grande sociólogo, o alemão Norbert Elias. Isso implicou no indivíduo se livrar do peso das convenções impostas pela família, pela tribo, pela religião e pelo estado, para se reconhecer apenas como um “eu” singular que no máximo se identifica como pertencente à espécie humana. Observem o paralelo do que estou mostrando com o desenvolvimento de cada um de nós nas nossas vidas particulares, principalmente quando entramos na adolescência. Buscamos desesperadamente a realização de nossas aspirações individuais, geralmente contra a mão pesada das convenções à nossa volta. Do resultado dessa refrega emergirá um indivíduo mais ou menos feliz, mais ou menos livre.
Por outro lado, sociedades fechadas abominam a “individualização”, têm ojeriza ao pensamento livre, que se autodetermina. Contra as possibilidades do “pensamento complexo”, obrigatoriamente individual e multidimensional, elas impõem o “pensamento simples”, fundamentalista, coletivista, que comporta uma única interpretação, normalmente ditada por mentes doentias que impulsionadas pela fome de poder pessoal travestem-se de místicos, profetas, intelectuais, líderes políticos ou militares.
As mais bárbaras atrocidades na história humana em geral e especialmente na história recente foram cometidas por indivíduos ou sociedades com predomínio do “pensamento simples”, unidimensional ou simplório, que rapidamente, pela ausência de justificativas plausíveis para suas posições, redundaram no autoritarismo das ditaduras teocráticas ou laicas.
Numa rápida ilustração histórica, a característica comum a Maomé, Gandhi, Marx, Hitler, Mussolini, Aiatolá Khomeini, Lênin e Stalin, Mao Tsé-Tung, Fidel Castro e Guevara, para ficar com os mais conhecidos, é a prevalência do “pensamento simples”, seja na dimensão religiosa, militar, econômica, política ou estética. Apresentavam-se como intérpretes das necessidades dos seus povos; jactavam-se de conhecerem os caminhos que os levariam à felicidade; propuseram mudanças radicais para suas sociedades, porém, no final... legaram-lhes uma herança maldita de desastres sociais (pobreza e baixo nível educacional), desordem econômica (inflação e subdesenvolvimento) e totalitarismo político ou religioso (ditaduras e guerras).
Todos foram falastrões histriônicos; cultivaram imagens ridículas de si, consagradas pelos seus figurinos de fantasia; eram hábeis manipuladores dos desejos das massas ignorantes. Assim, puderam forjar a mistificação de que tudo se resolveria por meio de mudanças drásticas, evidentemente inspiradas e conduzidas por eles e seus movimentos de natureza místico-religiosa ou política.
Alguém pode se assustar por eu ter incluído Marx, autor de livros como os conhecidos Manifesto Comunista de 1848 e O Capital, além de vários outros, como exemplo do “pensamento simples”. Mas observem, não é a quantidade de livros, ou mesmo escrever livros ou apenas saber ler, ou ser formado em alguma coisa, que exclui o indivíduo dessa classificação.
Esse senhor, Marx, apesar de sua origem social e formação acadêmica, nunca cuidou bem de sua família, que passava por necessidades econômicas e era sempre socorrida financeiramente pelo amigo Friedrich Engels (ao qual nunca agradeceu e existe registro epistolar sobre isto nas queixas deste último); engravidou a empregada da família e não reconheceu o filho ou o ajudou; os filhos legítimos, quase todos tiveram uma vida trágica, marcadas pelo suicídio. No entanto, sua obsessão, confessa ao longo de toda sua obra literária, era transformar a sociedade capitalista que, segundo ele, representava o apogeu na Terra do “reino das necessidades”, sendo por consequência o socialismo (que de acordo com sua imaginação delirante, seria a primeira fase do comunismo) a redenção da humanidade, a inauguração do “reino da liberdade”!
Contra uma argumentação simples contraponho uma observação simples, comum ao cotidiano das pessoas, mas que abre caminho para o trabalho científico e intelectual sério: “quando não se gosta de alguém ou de alguma coisa não se enxerga nada de positivo ou razoável nesse alguém ou nessa coisa, a não ser seus defeitos ou erros”. Marx jamais teve uma postura intelectual séria – que a ciência do século XIX já preconizava ao enfatizar a obediência possível à regra da objetividade (aconselho a leitura de Darwin) –, já que seu objetivo precípuo era revolucionar a sociedade capitalista, portanto uma concepção simplista, unidimensional, que lhe travou o intelecto e turvou sua percepção para a complexidade do mundo industrial, e suas muitas possibilidades de reorganização, que se construía nos anos 1800.
No entanto, a influência nefasta dessa concepção simplória de sociedade se estende a nossos dias! O Brasil que hoje sofre com a desorganização total de sua economia, com o retorno da inflação, o desequilíbrio nas contas públicas, o aparelhamento do Estado (inclusive no Judiciário) por um partido, a subordinação das estatais pela corrupção (com o objetivo de financiamento de um projeto de poder) e a deterioração cultural do país é o resultado direto de 12 anos de ideias rasteiras, cujas sementes foram gestadas na mente doentia de Marx e seus sucessores, particularmente Lênin e Gramsci. O Brasil apenas repete, por caminhos diferentes, o roteiro catastrófico que outrora a Rússia fez, depois a China, Coréia do Norte, Cuba, Angola, etc. Em comum: todos fracassaram!
Nessa caminhada para o abismo e o caos o Brasil não está só, tem a companhia de quem?! Nada menos do que a Argentina e a Venezuela!!! Lembrem que caracterizei acima os líderes do “pensamento simples” como figuras ridículas e histriônicas. Cristina Kirschner com o rosto plastificado até as orelhas e os lábios cheios de botox querendo ser uma ninfeta de 70 anos! Nicolas Maduro um “caminhoneirão” (sua real profissão) de 2 metros, permanentemente fantasiado de esportista, que diz conversar com seu mentor (o coronel troglodita Hugo Chávez, sua figura era típica do brutamontes latino-americano de cinema “trash”) que lhe aparece na forma de um passarinho! Aqui entre nós, o Lula foi batizado por Leonel Brizola como “Sapo Barbudo”, para mim, uma das melhores imagens satíricas criadas pelo velho líder gaúcho! Quanto a essa figura tétrica que se autodenomina “presidenta”, deixo aos leitores a caracterização! Todos esses personagens tipificam bem o “realismo fantástico” latino-americano.

O que acontece em parte da América do Sul é um retorno aos anos 60 – o que prova como, teimosamente, não amadurecemos rumo a um “pensamento complexo” e sóbrio – quando projetos de poder da esquerda socialista foram interrompidos por movimentos militares no contexto internacional da “guerra fria”. Décadas depois, em outro contexto geopolítico, aqueles projetos foram requentados, portanto, suas ideias não foram “regeneradas”, adaptadas às novas complexidades mundiais. A única novidade é que alcançaram o poder político utilizando-se, traiçoeiramente, do jogo democrático e da ingenuidade dos eleitores (lembrem da fábula do Escorpião e da Rã), mas com a intenção de inocular na sociedade suas ideias degeneradas, como ora estamos assistindo, com a degradação avassaladora do país.

(Prof. Geraldo Filho – UFPI)

(26/02/2015)

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