4 de mar. de 2014

Vila Olímpica no Piauí, que pode custar R$ 200 milhões, está abandonada

Com a justificativa de dar suporte à Copa do Mundo e às Olimpíadas de 2016, o governo federal aprovou a construção de megaempreendimento poliesportivo no Piauí que pode custar R$ 200 milhões e sequer tem o mais básico dos projetos de engenharia pronto, faltando quatro meses para o início do principal torneio de futebol do planeta. Em Parnaíba, cidade no norte do Piauí com 145 mil habitantes, o Ministério do Esporte patrocina há mais de cinco anos a construção da Vila Olímpica. O Piauí não é sede da Copa, e Parnaíba está a 2,8 mil quilômetros do Rio. O complexo esportivo ainda recebeu o carimbo de obra irregular do Tribunal de Contas da União (TCU), que tentou parar as obras.



O Ministério do Esporte já aprovou a liberação de R$ 14,6 milhões referentes à primeira etapa do complexo. Já foram efetivamente pagos R$ 2,1 milhões. O governo gastou mais R$ 1 milhão para elaboração de outro projeto associado ao empreendimento: a construção do Estádio Olímpico de Futebol. A arena teria capacidade para 35 mil lugares, equivalente a um quarto da população de Parnaíba, onde se diz que o estádio teria, na verdade, lotação de 45 mil pessoas.

Documentos obtidos pelo GLOBO revelam as sucessivas tentativas do Ministério do Esporte, da Caixa Econômica Federal (CEF) e da Fundação dos Esportes do Piauí (Fundespi) de providenciar projetos de viabilidade técnica e até alguns mais básicos de drenagem, da Vila Olímpica. Até agora, os órgãos públicos não mostraram esses documentos.

O TCU, após auditoria nos convênios firmados entre o Ministério do Esporte e a Fundespi, vinculada ao governo do Piauí, incluiu a Vila Olímpica de Parnaíba na lista de obras federais irregulares que devem ser paralisadas, em razão dos prejuízos aos cofres públicos. A lista é enviada anualmente ao Congresso. Cabe a deputados e senadores decidir se os empreendimentos devem ser impedidos de receber repasses do Orçamento da União. Na Comissão Mista de Orçamento, quatro das seis obras listadas pelo TCU foram liberadas, incluindo o complexo esportivo em Parnaíba.

Documentos do ministério e da CEF, instituição financeira responsável pelos repasses, mostram que a decisão pode ter colocado o Erário em risco. No curso da auditoria, técnicos do TCU notaram a inexistência dos projetos de viabilidade técnica e econômica comprovando a necessidade e a função da Vila Olímpica.

O TCU, então, fez uma primeira cobrança ao Ministério do Esporte. A pasta respondeu em outubro de 2013. “A coleta de informações entre os diversos órgãos envolvidos demanda tempo”, escreveu o secretário nacional de Esporte de Alto Rendimento, Ricardo Leyser Gonçalves, que pediu prazo esticado até 16 de dezembro.

TCU nega prazo extra a ministério

Em 30 de janeiro deste ano, o ministério voltou a pedir mais tempo ao TCU, dessa vez de 45 dias. Na nova manifestação do secretário, ele reproduz o trecho de um documento da CEF que confirma a ausência de projetos básicos para “drenagem da área de intervenção, piscina olímpica, piscina para saltos ornamentais, ginásio poliesportivo, vestiários, portarias de praças, áreas de circulação, pista de caminhada e estacionamentos”. O prazo extra foi negado pelo TCU.

O secretário culpa o governo do Piauí, que usou como justificativa para não entregar os documentos o “calendário de recesso das festividades de fim de ano”. O presidente da Fundespi, Marcos Aurélio Sampaio, diz que só foi procurado pelo Ministério do Esporte após o TCU entrar no circuito.

- Antes desse imbróglio, não havia sido requisitado o projeto de viabilidade - diz o secretário.

A proposta dizia que Parnaíba poderia ser subsede da Copa, local para o treino de algumas seleções. E sugeriu a construção de um estádio. Menos de três anos depois, a Fundespi enviou ofício a Brasília para dizer que a Vila Olímpica não poderia servir como base de treinamento de seleções. A ideia de o complexo esportivo ser base para delegações nas Olimpíadas também naufragou.

- Nas Olimpíadas, muitos países chegam mais cedo para o evento. Como o cronograma da Vila Olímpica foi alterado, ela não servirá mais para os jogos de 2016. Servirá, na verdade, para a formação de atletas - afirma o presidente da Fundespi.

O deputado federal Osmar Júnior (PCdoB-PI) é quem propôs à bancada do estado a destinação de emenda para o empreendimento. O PCdoB comanda o Ministério do Esporte desde 2003, primeiro ano dos governos Lula.

- Parnaíba é turística, é a segunda cidade do Piauí e não tem nenhum equipamento esportivo, como um estádio de futebol - diz o deputado.

O Ministério do Esporte diz que os projetos necessários para as obras estão em análise na CEF. Os projetos “foram apresentados na quase totalidade” a partir do fim de janeiro deste ano, informou. Segundo a pasta, instalações esportivas como a Vila Olímpica não estão atreladas ao uso na Copa e nas Olimpíadas. “As instalações representam ampliação de espaços para a prática de esportes a toda a população. A região de Parnaíba tem carência de equipamentos esportivos.” A pasta confirmou a interrupção dos recursos até a finalização da “parte pendente dos projetos”. A construção do estádio com os 35 mil lugares, segundo a pasta, não conta com financiamento aprovado pelo ministério. “Há contrato apenas para o projeto.”

O ministério questiona o valor de R$ 200 milhões atribuído ao projeto, número que consta na auditoria do TCU. A CEF informou não ter aberto procedimento para investigar o dinheiro gasto. O total, segundo a CEF, é de menos de R$ 2 milhões.

Obras estão paradas há cerca de um ano

A vila está em processo de deterioração devido às chuvas que causam erosão. A construtora Getel, responsável pela obra, colocou sacos de areia para conter o problema, mas o terreno entre as quadras tem crateras abertas pela água da chuva. Os ventos fortes, característicos de uma cidade litorânea como Parnaíba, levam para as quadras já construídas camadas de areia cobrindo o piso de cimento.

São seis quadras de esportes com alambrados; duas têm as cestas de basquetes já destruídas, além de aros e bandejas corroídas pela ferrugem. Mesmo sem sinal de operários, persiste fincada uma placa de “homens trabalhando”.

Um dos quatro vigilantes da Vila Olímpica de Parnaíba, Fernando Antônio Portela Nunes conta que as obras começaram em julho de 2012 e estão paradas desde o ano passado.

- As obras estão paradas há quase um ano. Ninguém sabe quanto serão retomadas - diz.

Vigia lamenta abandono

Outro vigilante da Getal, Diego de Souza lamenta que as quadras não estejam em uso.

- Os meninos tentam entrar nas quadras para jogar. É normal que tentem, mas temos quatro vigias, dois durante o dia e dois durante a noite. Há uma necessidade de lazer muito grande. Quando chove, muita areia é arrastada. Foi colocada uma contenção, mas o solo é arenoso e as águas das chuvas levam mesmo - conta Sousa.

O deputado federal Osmar Júnior (PC do B-PI), autor de emenda parlamentar que prevê recursos do Orçamento da União para a Vila Olímpica de Parnaíba, diz que o local deveria ter pistas de corrida, quadras, ginásios poliesportivos, piscinas, academias de ginástica, academia de fisioterapia e um estádio de futebol com capacidade para 45 mil pessoas (o projeto, na verdade, prevê capacidade para 35 mil).

- Parnaíba tem 150 mil habitantes. (O estádio) estava muito grande para a população - afirma Júnior, acrescentando que 20% do previsto foram construídos:

- Tem quadras prontas, mas não se pode jogar, não, está tudo fechado.

Os moradores do conjunto habitacional Raul Bacelar tinham muitas esperanças com a construção da Vila Olímpica. Hoje, porém, comparam a obra com a do porto de Luís Correia, vizinho ao município de Parnaíba, iniciada há 40 anos e nunca concluída.

O marceneiro João Batista Leal, vizinho da Vila Olímpica, diz que, se o projeto tivesse sido concluído, poderia oferecer um espaço de lazer para seu filho, de 5 anos.

- As autoridades conseguiram arrecadar a verba e não concluíram um trabalho que seria para o bem da comunidade. Aqui não tem lazer e vemos quadras sendo destruídas pelo tempo - reclama.

Fonte: O Globo

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