Blog do Pessoa: O Invisível, por Francisco José Rodrigues


14 de mai. de 2019

O Invisível, por Francisco José Rodrigues

Meus calcanhares doem de tanto andar, atrás de algo que me perturba por não saber o porquê. Nessa praça que cá estou agora observo transeuntes, são todos desconhecidos, mas seus problemas são bem conhecidos: solidão, tristeza, depressão, etc.
Percebo as pessoas passando e as mesmas não me percebem; para um minuto e começo a reviver acontecimentos que há muito desafinam meus poucos momentos de alegria, é melhor não tê-los. –Os problemas devem ficar para trás, tudo tem que se fazer novo daqui pra frente.
E as pessoas alheias aos meus pensamentos continuam andando. Observo um casal sentado um defronte do outro. Não consigo ler seus pensamentos, mas seus gestos dizem muitas coisas: estão apaixonados. Suas mãos entrelaçadas, seus joelhos colados e os lábios sempre sorrateiros, sempre a se tocarem, naquele momento, eles são o que tem de mais belo e puro nessa praça.
Retomo a serenidade, olho para baixo e vejo só grama, olho para o céu e não vejo Deus. Talvez Ele esteja aqui sentado ao meu lado, invisível, como eu. Se me fosse dado uma oportunidade de conhecê-lo antes, eu o veria com olhos espirituais, com toda força do meu coração.
O silêncio é quebrado com a sirene de uma ambulância. – O que teria acontecido? Que desgraçado estaria dentro daquela ambulância?Suicídio, atropelamento, assalto, sei lá. É só mais um cessado dessa vida degradante-mas se ele morresse e seus filhos; imaginei que poderia ter filhos, então fiz um modelo de como seria a vida dessa pessoa que estaria dentro da ambulância: casado, dois filhos, um de quatro e outro de dois anos, a esposa sempre ao seu lado em todos os momentos… O que seria então dessa família sem o seu mentor.
Baixei minha cabeça e pedi para o meu amigo ao lado, invisível que amparasse a mulher e os filhos do suposto moribundo.
Uma vez ouvi dizer que a única certeza que temos quando nascemos é da morte. Eu sempre tive orgulho de ter um bojo cultural muito grande, sabia dar soluções aos problemas, conhecia as ciências e a psicologia,mas possuir o conhecimento da existência de um final de tudo na vida era algo que me desafiava.
Um certo homem diz ter vencido a morte.Exatamente,essas foram suas palavras registradas nas sagradas escrituras, -eu venci a morte. Mas como alguém pode dar a vida a um cadáver depois de quatro dias de morto. –Ele fez por amor – assim me disseram. O mesmo amor que o fez sacrificar-se pela humanidade. O que ele ganhou em troca?Um rei sem coroa, foi massacrado e odiado pelo medo dos ignorantes, os mesmos que o viram fazer milagres. É difícil analisar um homem com tantas verdades e ser odiado ao mesmo tempo.
Não mais importa a minha ignorância a respeito do desconhecido. Não sei como cheguei nessa praça e nem tampouco como adquiri essas chagas que me consomem a alma, sinto um vazio intenso e uma ânsia de saber quem verdadeiramente está naquela ambulância.
Uma vez eu tive um sonho, nele eu era tragado pela terra, como num espiral, fui tomado por um grande desespero e no ápice de ser consumido pela terra, gritei: – Jesus Cristo. Sou transportado a outro lugar, estou sentado na relva à beira de um grande rio, com águas calmas e cristalinas, o vento assopra uma brisa refrescante, tudo nesse lugar traz paz. Sentados no meu lado direito está um homem e no esquerdo outro, e de repente eu abaixo minha cabeça e em tom melancólico eu pronuncio algumas palavras de desânimo. Uma dessas pessoas fala assim: – Calma tudo vai dá certo; e eu automaticamente senti uma paz indescritível.
O que eu senti neste sonho são os mesmos sentimentos que eu estou vivendo agora: tristeza e esperança.
Quem está na ambulância? Essa pergunta me vêm a todo momento, eu preciso saber,é algo que me consome, eu necessito voltar,não quero ficar nessa praça não há ninguém para conversar comigo …
Chego em um hospital,como não sei,olho para um leito e me reconheço,vejo pessoas tristes chorando pelos que se foram e por aqueles que podem se salvar;vejo pessoas alegres cantando em silêncio,louvando,orando por aqueles que ganharam outra chance. Há pessoas mortas e pessoas vivas; ao meu lado está meu filho.
Já sei quem estava na ambulância!
Francisco José Rodrigues de Araújo (Professor de Literatura e Escritor)

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